" 1 - Em todo o momento de actividade mental acontece em nós um duplo fenómeno de percepção: ao mesmo tempo que temos consciência de um estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção.
2 - Todo o estado de alma é uma passagem.
Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita.
Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem, pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem.
Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes.
Trabalho de Filomena Alves
3 - Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens.
Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo - num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma - é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que «na ausência da amada o sol não brilha», e outras coisas assim.
De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior.
Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens.
Têm de ser duas paisagens, mas pode ser - não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem - que se queira simplesmente inter-seccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...]"
Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'
2 comentários:
Mena,
Vale sempre a pena tentar mesmo com ervinhas em frente do focinho! hihihi
Está espectacular.
Força!
Beijos
Elmar, do lado dos mouros!
Um forte e feroz protege-se atrás de um frágil mato, equanto delicada borboleta está prestes a libertar-se e desejosa espalhar a sua beleza.
Estão de parabéns as duas artistas.
Beijos
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